A rádio por detrás do balcão

“Boa noite a todos. Diretamente da Amadora para o mundo, está no ar o Sempre Alentejo”. É assim que todas as quartas-feiras e domingos à noite, Manuel Venâncio Martins, 64 anos, começa o programa da Rádio Solar de Londres (www.solardelondres.com), que pode ser ouvida através da internet, dedicado ao seu Alentejo.
 
Quem entra no Retiro Alentejano, restaurante na Falagueira, nem dá conta de que, por de trás daquele balcão, por onde escorregam copos de três e muitas bicas, é feito um programa de rádio há cerca de dois anos e meio. “As pessoas não imaginam. Houve um dia em que entrevistei o Júlio do Trio Odemira, aqui, de trás do balcão”, ri, o radialista que nunca o sonhou ser, mas que, por força do destino, foi convidado a embarcar nesta aventura.
 
Corria o ano de 2012 e este orgulhoso alentejano, natural da Serra de Serpa, vivia em Londres, para onde tinha emigrado em 1999. “À procura de uma vida melhor”, recorda. Por lá, fez um pouco de tudo. Começou por trabalhar num matadouro de frangos, depois foi funcionário num supermercado, ao mesmo tempo que trabalhava numa fábrica de peças de avião. Nesta luta de um emigrante, o que lhe aquecia a alma e o aproximava de Portugal era um programa sobre o Alentejo que passava numa rádio online suíça. A fonte de inspiração para o Sempre Alentejo. 
 
“Quem criou a Rádio Solar de Londres foi o meu amigo Armando Ferreira, que sempre trabalhou em rádio e que, como também estava em Londres na altura, me desafiou a assumir um programa”. Com o final do formato suíço, Manuel achou por bem conduzir ele um espaço semelhante, onde desse a conhecer todo o Alentejo deste mundo. O formato começou por ser emitido domingos à noite, entre as 19h00 e as 21h00, mas depressa foi alargada a emissão. “Comecei a ter muitos pedidos para o programa ser maior”, conta. Passou então a emitir mais uma hora ao domingo, e às quartas-feiras no mesmo horário. 
 
Estúdio por detrás do balcão
Tudo corria bem até que há dois anos e meio as saudades de Portugal falaram mais alto e Manuel Venâncio Martins regressou. Abriu então o Retiro Alentejano, na Falagueira, onde prosseguiu com o programa Sempre Alentejo. Ou não fosse a Amadora um dos concelhos mais alentejanos de Portugal. “A rádio esteve sempre comigo”, garante. 
 
Por isso, quando voltou não desistiu do programa, que já chegou a ter 4 mil ouvintes online. Antes pelo contrário. Abriu o restaurante e estabeleceu o estúdio de rádio por detrás do balcão. Como? É fácil. “Só preciso de ter um computador para emitir, outro, mais pequeno - se quiser falar pelo skype -, umas colunas, uns auscultadores e um microfone”. 
Os clientes nem dão pelo negócio paralelo do taberneiro que, entre um copo servido e uma bica tirada, lá vai transmitindo cultura alentejana para os quatro cantos do mundo. “Tive, pelo menos, três ouvintes da Austrália que me escreveram a dizer que acordavam às 3h30- horário de lá – só para ouvir o programa. Mas recebia reações de ouvintes de França, da Suíça, Angola e de Inglaterra”. 
 
Programa é feito “a troco de nada”
Sem nunca ter pensado ser radialista na vida, o bichinho da rádio foi entrelaçando-o nas suas teias. “Nunca imaginei que gostasse tanto. Gosto muito de comunicar, sinto-me próximo das outras pessoas. Eu falo, conto anedotas, dou notícias do Alentejo, dou espaço à poesia e passo música”. Algumas, que os ouvintes pedem, outras das quais gosta. “Tudo música alentejana, mas fujo um pouco do Cante Alentejano. Prefiro música mais ligeira”, explica.  
No ar desde 2012, Manuel Venâncio Martins revela que nunca recebeu uma critica negativa, mas que já houve dias em que começou o programa sem nenhum ouvinte on-line. “É muito desmotivador quando isso acontece, mas já me aconteceu”. 
Sempre Alentejo, pode ser ouvido aos domingos, entre as 18h00 às 21h00, e às quartas, das 19h00 às 21h00. Um espaço que enaltece a cultura alentejana, transmitido da Amadora para o mundo por carolice do radialista que faz “o programa a troco de nada”, e para quem o melhor ordenado é receber e-mails de emigrantes agradecidos por naquele espaço de tempo se sentirem mais próximos de casa.
 
Texto: Sónia Salgueiro Silva