Cova da Moura tem 'os problemas que têm todos os bairros'

Jakilson Pereira e Albertina Ramos, residentes na Cova da Moura, concelho da Amadora, manifestaram-se hoje contra o racismo e a atuação policial no bairro, que tem “os problemas que têm todos os bairros”.
 
Os dois estavam entre algumas dezenas de pessoas que se concentraram, a meio da tarde de hoje, no Largo de São Domingos, no Rossio, em Lisboa, respondendo ao apelo da manifestação contra a violência policial e o racismo institucional, convocada por movimentos e organizações sociais e moradores dos bairros periféricos de Lisboa, para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.
 
Ainda bem presentes estão os últimos acontecimentos na Cova da Moura, a 5 de fevereiro, quando cinco jovens foram hospitalizados depois de detidos sob acusação de invasão de esquadra pela PSP de Alfragide, no concelho da Amadora. Segundo o movimento SOS Racismo, os cinco jovens foram à esquadra para saber da situação de um amigo que tinha sido detido no bairro.
 
“O que aconteceu na Cova da Moura, no dia 5, não é um ato isolado, são vários acontecimentos que já se arrastam há vários anos”, assinala Jakilson Pereira, um dos organizadores do protesto de hoje. “Felizmente, não terminou como terminaram muitos dos outros, de forma trágica”, realça, recordando que “vários jovens dos bairros têm sido assassinados ao longo dos anos”.
Na opinião deste morador na Cova da Moura, há “uma suspensão do Estado de Direito” no bairro, onde “têm acontecido casos gravíssimos”.
 
Jakilson não cai “no erro”, nem na generalização, de dizer que “todos os agentes são racistas”, mas garante que, nos bairros, “há uma generalização de comportamentos racistas” por parte da polícia.
 
Eram muitos os cartazes que o lembravam no Largo de São Domingos: “Não quero ter medo da PSP”, “Responsabilização dos agentes do CIR [Corpo de Intervenção Rápida]”, “Punição aos crimes de racismo e brutalidade policial”, entre outras frases.
 
Jakilson recorre à própria experiência para dar um exemplo. “Fui abordado [pela polícia] por ser jovem negro, de etnia africana, e por usar fato de treino e a justificação é que (…) o fato de treino e o meu perfil racial é característica típica dos assaltantes”, conta.
 
“Estamos a falar de um país onde uma infração no trânsito é mais crime do que o próprio racismo”, que, em Portugal, “é uma contraordenação”, critica.
 
Albertina Ramos vive na Cova da Moura com os pais e, “ultimamente”, não tem visto as carrinhas da polícia, descrevendo o ambiente no bairro como “normal”.
 
Mas, confessa, como trabalha com jovens na associação local Moinho da Juventude, tem “algum cuidado” e escolhe “os caminhos” por onde passa, para evitar que as crianças que vai buscar à escola vejam “os polícias armados, com pistolas”.
 
Os agentes – critica – “não têm em atenção os miúdos” e, por isso, “sempre que eles estão no bairro”, Albertina faz “um percurso diferente”, respondendo ao apelo de um dos cartazes que hoje estavam no Rossio: “Direito a brincar na rua sem medo.”
 
Albertina diz que deixou de sentir a “proximidade da PSP” que se verificou no passado e lamenta que a Cova da Moura tenha “o rótulo” de “bairro problemático", com tráfico, violência e criminalidade, problemas presentes “em todo o lado”. E garante: “É um bairro normal, como todos os outros, com todos os problemas que têm todos os bairros.”