Estudar na universidade é um sonho tornado realidade para cada vez mais ciganos

Ser cigano e estudante universitário é uma realidade que começa a ser cada vez mais frequente, como José e Francisco, dois ciganos em busca do mesmo sonho, mas sem perderem a identidade que os une.
 
O primeiro estudo nacional sobre as comunidades ciganas, encomendado pelo Alto Comissariado para as Migrações, realizado em 2014, com base em entrevistas a 1.599 pessoas ciganas, revelou que os ciganos portugueses têm baixos níveis de escolaridade, casam cedo e fazem da venda ambulante a principal atividade económica.
 
Uma realidade que José Oliveira Fernandes, 18 anos, conhece e que descreve da seguinte forma: “Nós não temos projetos a longo prazo e então somos ensinados desde pequenos a ganhar o nosso dinheiro, da maneira que os nossos pais nos ensinam”.
 
“Felizmente”, como sublinhou José, o pai também já tinha optado por estudar, licenciou-se em Direito e isso acabou por ser uma motivação para José estudar.
 
Olga Mariano, que durante 14 anos esteve à frente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas em Portugal (AMUCIP) e que, desde há três anos, lidera a Associação Letras Nómadas, percebeu que havia jovens ciganos que “estavam desprotegidos”, quando o assunto era estudar no ensino superior.
 
“Tínhamos que fazer alguma coisa para os apoiar e incentivar a esse nível”, contou à Lusa.
 
Daqui foi um passo até criar o projeto ‘Opré Chavalé’, que quer dizer ‘Erguei-vos, jovens ciganos’, na língua romani, e começar a percorrer Portugal de norte a sul, indo a casa dos jovens ciganos e falando com as famílias ciganas, pedindo o seu apoio.
 
“Quisemos demonstrar que os jovens ciganos querem estudar, só precisam de motivação, só precisam de incentivo, só precisam de quem lhes de um empurrãozinho”, apontou.
 
O projeto-piloto conseguiu colocar, no ano letivo 2015/2016, oito jovens ciganos a estudar nas universidades, oriundos do Algarve, Figueira da Foz, Beja, Moura, Montijo, Elvas e Maia, a quem foi atribuída uma bolsa de estudos.
 
José é um dos bolseiros. Veio de Lagos para Lisboa estudar eletrónica e automação naval na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, em Paço de Arcos, Oeiras.
 
À Lusa contou que “está tudo a correr bem até agora”, fez todas as cadeiras no primeiro semestre, gosta da universidade e da sua nova realidade, mas admite que o que também ajudou na sua integração foram os conhecimentos que aprendeu no seio da sua comunidade, nomeadamente o ser desenrascado.
 
“O meu pai ensinou-me tudo e os meus avós também. Eles ensinam-nos que temos de aprender. Mesmo que custe, temos de fazer aquilo. Os nossos objetivos são os nossos objetivos. O único mal é que não nos dizem objetivos a longo prazo, como a universidade”, explicou José.
 
Com a bolsa, José paga as propinas, mas também a alimentação, que “é muito cara”, e as viagens para o Algarve, quando apertam as saudades da família. Sem isso, admite que seria muito mais difícil estar a estudar.
 
Segundo Olga Mariano, as bolsas de estudo vêm ajudar jovens de famílias ciganas “com grandes dificuldades”, que muitas vezes “não têm dinheiro sequer para o transporte dos filhos”.
 
“Temos uma menina [que está a estudar] no ISCTE e que vem do Montijo. Os pais não têm dinheiro sequer para ela comer uma sandes ou para ir fazer fotocópias ou comprar o livro ou o bilhete do comboio”, contou.
 
A frequentar o segundo ano da licenciatura de Serviço Social, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em Lisboa, Francisco Azul é mais um exemplo de como as mentalidades estão a mudar dentro da comunidade cigana.
 
Concluiu o 12.º ano em gestão desportiva e gostava de ter seguido Desporto, mas como isso implicava ir estudar para uma universidade longe da família que vive no Barreiro, resolveu optar por um curso que “poderia ser uma mais-valia para a comunidade cigana”.
 
“Gostava muito de trabalhar com a minha comunidade, com o meu bairro, com a com a minha gente, com as pessoas que eu conheço, com os ciganos que eu não conheço, se calhar até a nível internacional”, contou à Lusa.
 
Francisco admite que “a ferramenta da educação escolar não é muito apreciada pela comunidade”, mas tem a certeza de que isso é uma realidade que está a mudar.
 
“Há mais jovens que querem estudar, há mais jovens que entenderam que as feiras e trabalhar de uma forma precária não é algo bom para eles”, defendeu.
 
Apontou o projeto ‘Opré Chavalé’ como algo que dá “força”, “capacidade” e “estratégias” para os ciganos se integrarem melhor, mas sem nunca perderem a sua identidade.
 
“Tem de haver mudança e nós temos de seguir o rumo da sociedade. Claro que a sociedade tem de ter algumas gavetas porque nós somos diferentes e não queremos perder a nossa identidade, mas também sabemos que temos de abrir algumas exceções, nas raparigas, nos rapazes, para continuarem a estudar, porque o futuro é estudar, como dizia Nelson Mandela”, defendeu Francisco.
 
E se, no início, a comunidade estranhava que Francisco estudasse – entre os cinco irmãos é o único a estudar na universidade – hoje a reação é diferente.
 
“Passados dois anos de ter entrado na faculdade (…) tenho a certeza de que sou um motivo de orgulho para a minha família toda, mesmo”, sublinhou.
 
E a mesma reação fez-se sentir na família de José: “Os meus pais sempre me apoiaram e eles ficaram muito felizes. A minha mãe tem muito orgulho em mim, por estudar”.
 
Olga Mariano não tem dúvidas de que o ‘Opré Chavalé’ é “o sucesso dos sucessos”, tanto que há já “mais 15 ciganos na calha para seguir este percurso”.