As representações feitas pela comunicação social e pelas instituições políticas e sociais tendem a colocar as populações dos bairros considerados mais problemáticos num único grupo, mas uma investigação em Almada mostrou que há heterogeneidade entre elas.
A tese de doutoramento em sociologia urbana levou Leda Barbio a um dos bairros carenciados da região de Lisboa, o bairro Amarelo, para perceber se a imagem que muitas vezes se tem dos jovens corresponde de alguma forma à realidade e como de definem as identidades e os estilos de vida.
Acompanhando um projecto de uma instituição no local que junta marchas populares e ‘rappers’, a investigadora concluiu que, ao contrário da imagem mais comum, não há uma “população homogénea”, mas antes “grupos distintos de jovens”.
“Há quem incorpore e mimetize as representações externas e procure mesmo uma distanciação simbólica face à população do bairro considerada problemática”, lê-se no trabalho, que refere que no caso dos rappers, por exemplo, “há uma atitude muito mais crítica face à sociedade envolvente”.
“A maioria dos jovens não tem percursos, modos de vida e identidades simples e definidas de uma vez por todas, mas desenvolve, pelo contrário, percursos complexos, estratégias, identidades e modos de vida que recorrem a ‘mundos sociais’ diferentes”, segundo a investigadora.
Na instituição social, a doutoranda encontrou provas da importância dos mediadores ‘recrutados’ na comunidade, que tentam incutir nos jovens a considerada “boa socialização”, como, por exemplo, o hábito de pedidos de autorização para usar equipamentos e não dizer “asneiras”.
Este espaço representa para os jovens “não só um espaço de oportunidades (de desenvolver actividades gratuitamente, de fazer parte de um colectivo), mas também um espaço de socialização, de regras sociais”.
Uma das actividades observadas no âmbito do trabalho foram as marchas populares, por ser um elemento de definição de identidade e por, ao mesmo tempo, “não ir de encontro à coerência cultural entretanto manifesta pelos jovens do bairro” de Almada.
Este é um bairro que tem “forte presença de elementos culturais de raiz africana e cruzam-se com elementos típicos de novas subculturas urbanas”, como o hip-hop.
Em relação aos jovens ‘rappers’, a identificação é feita através da ‘crew Monte Kapta’, que envolve os jovens dos vários bairros daquela zona e mesmo os que, sendo dali originários, já não moram lá.
Este grupo, que inclui apenas uma rapariga com trabalho consistente e continuado, chega aos cerca de 40 ‘rappers’, que mostram uma forte influência da música africana e cantam muitas letras em crioulo.
Os ‘rappers’ tendem, no entanto, a atenuar o predomínio de descendentes de cabo-verdianos e destacam que são todos jovens do bairro que partilham uma mesma condição independentemente da sua etnia.
Como principais “adversários” destes jovens, indica a tese, há a “sociedade dominante”, que são precisamente as classes mais favorecidas, os “capitalistas e racistas”, nas palavras dos próprios ‘rappers’.
As letras das suas músicas são sobre modos de vida do bairro, incluindo aspetos mais negativos, como a pobreza, a falta de apoio dado às populações, o tráfico de drogas e o vandalismo, além de recursos localmente aceites e praticados por alguns segmentos da população como forma de autossustento e estratégia de vida.
As letras também focam aspetos positivos, como o companheirismo, a solidariedade e o espírito de grupo dos habitantes do bairro.
Os ‘rappers’ pretendem ser a “consciência da sociedade e não deixar que as injustiças sociais e as desigualdades passem impunes” e habitualmente notam que as alterações vividas no bairro Amarelo levam a um “menor sentido de comunidade”.