Num pedaço de terra encravado entre a estrada Nacional 117 e o IC19, com acesso que só pode ser feito atravessando as vias por onde passam por dia centenas de carros, quatro agricultores juntam-se para tratar os terrenos, mas acima de tudo pelo convívio. Da terra tiram couves, favas, ervilhas, batatas, entre outros produtos hortícolas que dizem não dar nem para alimentar a família. Todos garantem que aquela é uma forma de ocupar o tempo que é cada vez mais com a falta de emprego.
Pedro Tavares tem 53 anos e está desempregado. É o mais novo agricultor do grupo que todos os dias se junta para tratar a terra nos taludes do IC19 e da Nacional 117. Trabalha como operador de máquinas, mas como “não há trabalho”, pelo menos em Portugal, aproveita o tempo livre para tratar dos terrenos que estão ao abandono. No último Verão trabalhou no Algarve, porém até hoje o patrão ainda lhe deve esse dinheiro. Garante que já estaria a viver no Luxemburgo com os seus três filhos, não fosse a autarquia querer retirar-lhe a casa que construiu ao longo da sua vida em Portugal, no bairro clandestino da estrada Militar da Damaia. “Vivo há mais de trinta anos naquela casa que fui construindo ao logo da vida e pago impostos, mas, apesar disso, a câmara quer proceder à sua demolição, caso vá para o estrangeiro trabalhar”, explica Pedro Tavares, natural de Cabo-verde. No intervalo dos biscates, Pedro Tavares junta-se aos amigos naquele pedaço de terra encravado entre as vias.
Os quatro dividem o que colhem na terra. Nunca ninguém imaginou que os terrenos junto ao IC19 pudessem ser férteis e de onde se podem tirar favas, batatas, couves, ervilhas, cebolas e até mesmo cana-de-açúcar, como faz questão de mostrar Augusto Cardoso, reformado e também originário de Cabo Verde. Foi o primeiro a começar a tratar aquela terra. Dez anos depois garante que “se não fosse a seca teríamos muitos mais alimentos”. Um local escolhido devido às proximidades do bairro da estrada Militar da Damaia, onde todos residem. “Ainda cheguei a cultivar mais perto de casa, nuns terrenos baldios que existiam, mas depois vieram as máquinas para a construção de uma urbanização e comecei a vir para aqui”, conta. Chega perto das 10 horas todos os dias ao talude e só sai por volta das 17 horas. “É uma boa forma de passar o tempo, em vez de estar nos cafés do bairro”. Com os amigos divide o trabalho e organiza almoços com os produtos que a terra dá. “Hoje, fizemos um cozido de peixe, com os grelos e as batatas daqui”, explica. Cada um traz uma coisa e juntam-se na pequena barraca construída para guardar as ferramentas e resguardar da chuva, onde comem e jogam cartas.