Vhils, da paisagem urbana degradada a um discurso sobre a condição humana

Alexandre Farto, 28 anos, que assina como Vhils, captou a atenção a ‘escavar’ muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional e que já o levou a vários cantos do mundo.
 
Vhils, hoje distinguido com o Prémio Personalidade do Ano/Martha de la Cal da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com "graffiti", aos 13 anos, antes de rumar a Londres, para estudar Belas Artes, na Central Saint Martins, depois de não ter conseguido média, para entrar numa faculdade portuguesa.
 
A AIEP destaca a presença do trabalho de Vhils em cidades como Lisboa, Porto e Aveiro, mas também em Nova Iorque, Moscovo, Londres ou Los Angeles, e a sua capacidade para transformar a paisagem urbana degradada num espaço de diálogo sobre a condição humana.
A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.
 
Em julho de 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição nacional, o Museu da Eletricidade, em Lisboa. “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.
 
Esse ano ficaria também marcado, na carreira do artista português, pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projeto visual “Films of Innocence”, que foi editado em dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.
 
Já em janeiro deste ano surgiu nas listas ‘30 under 30’ da revista norte-americana Forbes, que destacam jovens de sucesso com menos de 30 anos.
 
Vhils apareceu na lista 'Art and Style' [Arte e Estilo] da Forbes. A revista recordou que o jovem português “fez murais em mais de 50 cidades de todo o mundo”, sendo que a maioria “mostra rostos, feitos com uma técnica que combina escavação e pintura”.
 
No passado 10 de junho foi condecorado pelo Presidente da República, Cavaco Silva, como cavaleiro da Ordem de Sant’Iago de Espada.
 
Na altura, numa nota divulgada na sua página de Facebook, percebeu-se que esteve indeciso entre aceitar ou não a distinção.
 
“Após a surpresa inicial e após um longo debate interno, decidi, com humildade, aceitá-la. Faço-o por respeito à sua longa história, assim como pelo orgulho que sinto em passar a fazer, modestamente, parte da História do meu país”, escreveu na altura.
 
Em entrevista ao Expresso disse não esquecer “todas as políticas que ele [Cavaco Silva] teve no passado em relação à cultura, maltratando artistas e escritores, por exemplo”.
 
Disse que aceitava a distinção “em nome da geração mais qualificada de sempre que se vê forçada a emigrar por falta de oportunidades”, “em nome de um país inclusivo e acolhedor”, “como reconhecimento” do seu trabalho e da sua equipa, e “como prova de que vale a pena resistir contra a condescendência e o tipo de mentalidade que nos tenta convencer de que somos pequenos”.
 
Aceitou também a condecoração, “ironicamente, numa altura em que a nova lei que estabelece o regime aplicável aos grafitos e outras formas de alteração de superfícies no espaço público, introduz o conceito de ‘picotagem’, dando-lhe especial relevo no contexto desta regulamentação”.
Estendeu a distinção “a todos aqueles que nunca irão ser oficialmente reconhecidos, principalmente aos artistas de rua”, a “todos aqueles que não tiveram as mesmas oportunidades, ao Seixal, à Arrentela, à luta do Bairro de Santa Filomena, à Quinta do Mocho, ao Bairro Verde, à comunidade indígena de Araçaí, ao Morro da Providência, à Ladeira dos Tabajaras”.
 
Este foi também o ano em que o trabalho de Vhils chegou ao espaço. Em setembro, uma obra do artista esteve na Estação Espacial Internacional (EEI), no âmbito do filme "O sentido da vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.
 
Foi a primeira vez que um artista português colaborou com a Estação Espacial Internacional, com uma instalação artística que esteve colocada na cúpula da EEI e que retrata o astronauta dinamarquês Andreas Mogensen.
 
As imagens desta instalação de Vhils - e as que o astronauta dinamarquês captou durante a estada na EEI - serão incluídas no documentário que Miguel Gonçalves Mendes está a rodar em vários locais do mundo, com sete personalidades internacionais, e que só deverá estrear-se em 2017.
 
Apesar de trabalhar e expor em todo o mundo, e até fora dele, Alexandre Farto não se esquece de Portugal.
 
Este ano, criou, entre outros, o rosto de Amália Rodrigues, em calçada portuguesa, em Alfama, Lisboa, e um olho na parede de um prédio da Quinta do Mocho, em Sacavém, Loures, no âmbito do projeto de recuperação daquele aglomerado habitacional "O Bairro i o Mundo".
 
Paralelamente ao desenvolvimento da sua carreira criou, com a francesa Pauline Foessel, a plataforma Underdogs, projeto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, e exposições dentro de portas, no n.º 56 da rua Fernando Palha, ao Braço de Prata, em Lisboa.
 
O espaço, recuperado e transformado em galeria, foi dedicado à produção de edições artísticas limitadas.
 
A plataforma tem também uma loja, no Mercado da Ribeira, e começou este ano a organizar visitas guiadas de Arte Urbana em Lisboa.