Mais de 200 pessoas assistiram, no sábado à noite, a uma conversa "inédita" entre o escritor António Lobo Antunes e o neurocirurgião João Lobo Antunes no auditório da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais.
O diálogo entre os dois irmãos, incluído no Festival Internacional de Cultura, que se realiza pela primeira vez, foi apontado como um dos grandes momentos de todo o evento, que arrancou na sexta-feira e decorre ao longo de dez dias.
Eram 22:00 de sábado, 30 minutos depois da hora prevista no programa, quando João Lobo Antunes lançou a conversa e desculpou-se pelo "atraso da noiva", referindo-se ao irmão António, arrancando logo uma gargalhada do público, que viria a repetir-se ao longo da noite.
A infância, o pai, a mãe, a medicina, a morte, mas sobretudo os livros foram os temas abordados, num regresso às memórias dos dois irmãos que, sem nunca se atropelarem, apoderaram-se equilibradamente da palavra.
Sob o olhar atento de quem assistia, muitas das pessoas em pé, não se ouviu burburinho e a atenção estava toda centrada em João e António que, unidos pelos livros, como os próprios disseram, foram contando episódios de família e da austeridade dos pais, que, desde sempre, impuseram o hábito pela leitura.
"A mãe fazia duas coisas: ou lia, ou cozinhava", contou João.
"Às vezes também dizia: cala o bico", acrescentou António, que reconheceu também "a dívida para com o pai que é o amor pelas coisas belas".
Numa família de médicos, João era "o filho bom" e António "a nódoa", segundo o escritor que confessou nunca ter tido vocação para a medicina e que, aos nove anos, comunicou à família que queria ser escritor.
Num momento de troca de elogios, João disse que António "era um grande criador da Língua Portuguesa", mas o escritor reconheceu que "escrever é um tremendo sofrimento e o sucesso, quando se tem, é uma coisa tão passageira".
A conversa desviou-se ainda para a morte, tendo por base os livros que chegaram a motivar a discórdia entre os irmãos.
"Há uma diferença grande entre nós na apreciação de alguns escritores", disse João, enquanto António insistia: "se é uma porcaria, digo que é uma porcaria".
Ao fim de mais de uma hora e dois cigarros fumados por António, João Lobo Antunes deu a conversa por terminada, arrancando uma ovação do público.
A escritora Lídia Jorge, curadora do Festival Internacional de Cultura (FIC), tinha apelidado este como "um dos grandes momentos" do evento e, segundo contou à Lusa, isso "cumpriu-se".
“Foi um encontro muito especial. Este diálogo entre eles foi um momento único, foi uma conversa inédita", disse Lídia Jorge.
A curadora considerou que a "casa cheia" de hoje é um bom augúrio para todo o festival e sublinhou que o sucesso do evento irá determinar a periodicidade das próximas edições, garantindo que o "FIC é para ficar".
O Festival Internacional de Cultura, organizado pela Câmara de Cascais e pelo grupo LeYa, vai prolongar-se até ao dia 12 de julho.